Com o maior número de pessoas transportadas nos ônibus desde o início das medidas de isolamento social na capital baiana, a última segunda-feira, 4, foi o estopim para que a prefeitura passasse a estudar ações restritivas mais duras em Salvador. Para obrigar a população a respeitar o distanciamento e evitar um colapso no sistema de saúde, o prefeito ACM Neto anunciou ontem que vai restringir a circulação de pessoas nos bairros e não descartou a possibilidade de lockdown (bloqueio completo) no município.
Segundo o secretário municipal de Mobilidade, Fábio Mota, o índice de movimentação no transporte público atingiu a proporção de 35% do que era no período pré-pandemia, o que coroa uma trajetória de crescimento vista pela prefeitura nas últimas semanas, mas “atípica” até mesmo para os padrões do período de quarentena, nas palavras do titular da Semob.
“Foi tão atípico que tivemos reclamação e tivemos que aumentar a frota no dia seguinte”, afirmou Mota.
A curva do índice, desde que as primeiras medidas restritivas começaram a vigorar, em 16 de março, foi de alta. Quando elas foram implementadas, a proporção de pessoas transportadas era de 27% em comparação com tempos normais e foi crescendo até chegar a 31% na semana passada. Se apenas a segunda-feira for levada em conta, calcula-se que mais de 100 mil pessoas a mais usaram os ônibus da capital baiana em relação às últimas semanas. Ainda segundo o secretário, a situação mais preocupante é na região do Subúrbio.
Dados da Transalvador também apontam o afrouxamento da quarentena pela população. Na semana passada, a movimentação de carros nas ruas, um dos dados usados pela prefeitura para medir o isolamento social, ficou em média 43% menor do que antes da pandemia, entre os dias 27 de abril e 3 de maio – a porcentagem foi puxada para cima causa do do dia 1º de maio, feriado do Dia do Trabalhador, quando a taxa registrou baixa de 64% devido à quantidade menor de veículos nas ruas. Desde o início das primeiras medidas de restrição na capital baiana, em 17 de março, o índice tem oscilado entre períodos de maior e menor fluxo. A maior redução na circulação de carros foi de 68% em 21 de abril (feriado de Tiradentes), enquanto a menor foi de 12%, no dia 16 do mês anterior. Mota sinalizou que, em pontos do Subúrbio, a circulação já chega a 84% do que era antes da pandemia, uma situação de quase normalidade.
Grupo de trabalho
Diante da situação, o prefeito anunciou ontem a criação de um grupo de trabalho, coordenado por Mota, que vai analisar a situação de cada bairro para elaborar medidas para cada região. “Nós já começamos a ter uma visão mais setorizada e individualizada de cada região da cidade. A partir de agora é possível que nós adotemos medidas mais restritivas específicas, bairro a bairro”, afirmou ACM Neto.
O estudo vai levar em conta, além do número de infectados, o movimento de automóveis na região, a quantidade de pessoas usando o transporte público, as interdições feitas pela Secretaria de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) na área e o número de máscaras distribuídas para a população.
Outro desafio para a prefeitura é achatar a curva de contaminação pela Covid-19. Segundo o secretário municipal de Saúde, Leo Prates, a taxa de crescimento diária de casos da doença é de 7,5%. Se esse percentual não diminuir para 6%, a saturação de leitos destinados a pacientes com Covid-19 pode acontecer em 10 dias, de acordo com Neto.
O prefeito também não descartou a possibilidade de lockdown, cuja tradução em português é bloqueio total, permitindo a circulação de pessoas apenas para serviços essenciais. No Nordeste, capitais como São Luís (MA) e Fortaleza (CE) adotarão a medida.
“Espero que a gente não precise chegar nessa situação […] A gente vem percebendo um relaxamento das pessoas. Há um paradoxo. Quanto mais êxito temos com as medidas de restrições, controlando a curva, evitando um número desenfreado de mortes na capital, a sensação das pessoas é de que está tudo sob controle. Não é verdade. O momento crítico está chegando a partir da segunda quinzena de maio”, alertou o prefeito.
Salvador é a cidade com mais casos confirmados de Covid-19 na Bahia. Segundo boletim divulgado ontem pela Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), dos 4.040 registrados no estado, 2.599 foram na capital baiana.
Novo hospital
A situação pode se agravar, mesmo com os esforços da prefeitura para aumentar a quantidade de leitos para pacientes com coronavírus. Ontem, com a inauguração do hospital de campanha montado no Itaigara Memorial, no Caminho das Árvores, a cidade terá mais 47 unidades, equipadas com respiradores, para atender quem precisar de hospitalização. Segundo Leo Prates, a expectativa é de que Salvador tenha 217 leitos nos próximos 10 dias.
O secretário fez um apelo para que a população não desrespeite o isolamento social. “Estamos verificando um aumento do número de pessoas transportados, o que é muito ruim nesse momento. A gente faz um apelo para que as pessoas fiquem em casa. E quem tem que trabalhar, que saía de máscara”, pediu.